Brian Hare: "A domesticação tornou os cães capazes de decifrar as nossas intenções”
Para o especialista em psicologia canina, o convívio com humanos fez os cachorros desenvolverem inteligência social e um processo de aprendizagem semelhante à de crianças pequenas.
Se você tem ou teve cachorros, já deve ter se perguntado no que eles costumam pensar. O antropólogo americano Brian Hare, da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, dedica sua vida para decifrar como eles pensam. Hare gosta de se identificar como dog guy (o cara dos cachorros), tamanho seu fascínio por cães. Na faculdade, aprendeu que a comunicação por meio de gestos, como mímicas, era habilidade exclusiva dos humanos. Mas sabia que seu cão Oreo conseguia entender seus recados e comandos. Após aplicar uma série de testes para verificar sua memória e raciocínio, teve certeza: Oreo era mais esperto do que imaginava.
A curiosidade inicial impulsionou os anos de pesquisa que viriam a seguir, cujos principais resultados podem ser conferidos em seu novo livro The Genius of Dogs: How dogs are smarter than you think (O gênio dos cachorros: por que eles são mais espertos do que você imagina, com lançamento no Brasil previsto para novembro pela Editora Zahar), escrito em parceria com sua mulher, Vanessa Woods.
Segundo Hare, o convívio com humanos teria feito com que cães desenvolvessem um sistema de aprendizagem semelhante ao observado em crianças pequenas. Eles conseguem ler os sinais de seus donos e, em alguns casos, imitá-los e reproduzi-los quando necessário. Assim como as crianças pequenas e seus pais. “Se apontamos algo a um bebê, ele entende sobre o que estamos falando – ainda que não saiba exatamente o que está sendo dito”, diz Hare. Outro exemplo seria o latido, uma forma de imitar a fala humana. De acordo com Hare, membro do Conselho de Neurociência Cognitiva da Universidade Duke, os lobos, ancestrais dos cães, raramente latem para se comunicar. Para ele, cães latem porque nos vêem falando.
As conclusões sobre o funcionamento da mente canina ainda são incipientes. Brian Hare diz nesta entrevista a ÉPOCA que sua pesquisa está apenas no começo. Sob sua liderança, um time de pesquisadores toca o Dognition, plataforma online lançada em fevereiro deste ano para ser o maior banco de dados do mundo sobre cães. O objetivo do projeto é reunir informações prestando um serviço para donos de animais de todo o planeta. Após fazer o cadastro e pagar uma taxa (que varia de US$ 39 a US$ 147, de acordo com o plano), a pessoa recebe quais testes de aplicar no cão, em forma de jogos. Ao informar os resultados observados, o usuário recebe um perfil cognitivo de seu pet, que basicamente diz qual o seu tipo de comportamento. Para Hare, as informações coletadas podem dar origem a pesquisas que vão facilitar desde o adestramento à identificação de cachorros aptos a designar atividades específicas, como os farejadores e os cães-guia. Com respostas sobre como pensam, nossa relação com eles só têm a ganhar.
ÉPOCA: Por que o senhor acha que os cães são mais espertos do que imaginamos?
Hare: Depois de nós, humanos, eles são os mamíferos mais bem sucedidos do planeta. Vivem dentro de nossas casas, sentam-se em nossos sofás e, se bobear, até dormem em nossas camas. Descobrimos que a domesticação fez com que desenvolvessem uma inteligência social, tornando-os capazes de decifrar as nossas intenções. Eles aprenderam uma forma de se comunicar e interagir conosco semelhante à de crianças pequenas.
ÉPOCA: Como assim?
Hare: Nem nossos “parentes” mais próximos, como os chimpanzés, são capazes de entender os gestos humanos e se expressar por meio deles como os cães. Por exemplo, quando se aponta para um brinquedo que está escondido, esse gesto faz o cão levar seu olhar do dedo da pessoa ao local onde está o objeto. Como disse anteriormente, é uma reação semelhante à de crianças que ainda não sabem falar. Assim como elas, os cachorros entendem quando demonstramos interesse em cooperar e nos comunicar com eles. Também conseguem memorizar palavras por meio de associações. Esses tipos de habilidades comunicativas permitem que os cães se relacionem socialmente com a gente de uma forma incrível.
ÉPOCA: O que faz da nossa relação com os cachorros tão especial?
Hare: Cientificamente, ao interagir com cachorros nossa pressão sanguínea cai e as taxas de ocitocina, beta-endorfina e dopamina (substâncias associadas a sensações de prazer) aumentam em nosso corpo. Ter um cachorro pode tornar seu dono mais atraente e emocionalmente seguro. Essa proximidade também é benéfica para os cães. Suas taxas de ocitocina também sobem quando estão perto de gente. Tanto é que muitos preferem passar mais tempo com humanos que com outros cães.
ÉPOCA: Como o Dognition pode melhorar o relacionamento entre cães e seus donos?
Hare: Sabemos muito pouco sobre como pensam nossos amigos de quatro patas. Até hoje, o maior estudo sobre cães contou com dados de 15 mil cachorros. A nossa plataforma online tem potencial para reunir informações de milhões deles, o que vai permitir responder questões que antes só especulávamos, como, por exemplo, se a agitação é uma característica individual, da raça, do habitat ou do sexo do cão. Esses dados também podem ajudar a identificar que tipos de cães são mais aptos a prestar serviços, como os cães-guia e os farejadores, além de influenciar o desenvolvimento de novas técnicas de adestramento.
ÉPOCA: Como fazer para confiar nesses dados, que são recolhidos sem que o senhor possa comprová-los?
Hare: Nossa metodologia é bastante consistente. Os mesmos testes sugeridos no site já foram feitos em laboratório. São fáceis de serem aplicados e seus resultados, seguros. Pesquisas não são feitas só por quem tem doutorado. Esse estudo é realizado a partir da colaboração de qualquer pessoa que tenha tempo, disposição e vontade de aprender mais sobre seu cachorro e, ao mesmo tempo, nos ajudar a colher dados para pesquisas futuras. Hoje, o Dognition reúne dados de milhares de cães de mais de 40 países.
ÉPOCA: Como esses exercícios são estruturados?
Hare: Os jogos são rápidos e costumam durar de 15 a 30 minutos cada. Eles testam diferentes tipos de habilidade canina, como empatia, comunicação e raciocínio. Em um exercício para avaliar a memória, por exemplo, o dono deve esconder um brinquedo em frente ao cachorro. Após 10 segundos, o cão é solto e deve lembrar onde o objeto está. Alguns cães vão direto ao esconderijo. Já outros se esquecem do objeto...
ÉPOCA: Existem cães mais inteligentes que outros?
Hare: Dizem que os Border Collies são os mais espertos, mas não há estudos que, de fato, comprovem isso. Cachorros diferentes usam estratégias e abordagens particulares para resolver problemas. Há vários tipos de inteligência comportamental. Um estilo cognitivo pode ser melhor em um contexto que em outro. Não é correto compará-los. É como dizer que um martelo é uma ferramenta melhor que uma chave de fenda. Depende da necessidade.
Fonte: Revista Época mentalismo mágica mentalista entretenimento adulto
Um comentário:
Cães, Nos Surpreendendo Cada Dia Mais =),
ReiBranco
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